Cajazeiras formam uma das áreas menos conhecidas de Salvador

Cajazeiras formam uma das áreas menos conhecidas de Salvador

Cajazeiras formam uma das áreas menos conhecidas de Salvador

por
Carlos Vianna Junior
 
 
Publicada em 08/03/2013 02:34:26
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Foto: Romildo de Jesus/Tribuna da Bahia
        
Segundo dados do IBGE, o bairro tem 60,213 mil habitantes. Dados são questionados por moradores

Não há 600 mil pessoas vivendo em Cajazeiras, nem se trata do maior bairro da América Latina, como foi falado por muito tempo. Nem o fato de existir a Cajazeiras XI, quer dizer que onze é o total de unidades. Para o IBGE falta Cajazeiras III, embora ela esteja lá.

Os mitos sobre a área que está a cerca de 20 km do centro da CIDADE estão aos poucos sendo desfeitos, mas a falta de conhecimento que os alimenta é ainda grande por parte da população de Salvador, dos poderes públicos e até mesmo dos moradores locais.

Não é difícil encontrar, entre os que vivem em Cajazeiras, quem use a expressão “maior bairro da América Latina” para reivindicar a atenção dos poderes públicos. A campanha pelo METRÔ, por exemplo, que tem uma página da rede social Facebook (Metrô de Cajazeira), fala de números ainda maiores, “quase um milhão de habitantes”.

“Isso foi muito usado por políticos em campanha e o povo acabou absorvendo, mas, apesar de ser um bairro grande, com certeza não é tão grande assim, pode até ser um dos maiores do Nordeste, mas não passa disso”, pondera o EMPRESARIO Marcos Moura.

O prefeito do bairro, Allan Muniz, confirma a suposição do empresário. Segundo ele, não há informação que sustente o título de maior da América Latina, nem em termos de população, nem em espaço físico. “Na verdade, a carência de dados sobre o bairro é muito grande em todos os sentidos. A ausência de prefeituras de bairros bem equipadas em Salvador é uma das causas da falta de informações, mas vamos começar a trabalhar nisso”, ressaltou Muniz, lembrando que nem mesmo as informações oriundas de trabalhos acadêmicos que afirmam que Cajazeiras têm 20 milhões de metros quadrados são verídicas.

Até os dados do IBGE sobre o bairro geram mais dúvidas do que certezas. O Censo de 2010 surpreendeu com a informação de que o suposto maior bairro da América Latina era, na verdade, menos habitado que Brotas, que, com 70.158 MORADORES, superava Cajazeiras em quase 10 mil habitantes (60,213 mil). Mas os dados não computam outros setores que fazem parte do bairro, como Águas Claras e Boca da Mata.

O Instituto, no entanto, fornece o número de habitantes das quatro Fazendas Grandes. São 41.856 moradores. Juntas, as Cajazeiras e as Fazendas Grandes totalizam 102 mil habitantes.

Segundo Servio Túlio, presidente da Associação de Micro e Pequenas Empresas de Cajazeiras (Amicro), os números do IBGE são irreais.

“Eu liguei para o instituto, na época da divulgação, e procurei saber como foi feito o censo na região e fui informado que foi usada uma técnica de amostragem com mapas, ou seja, não houve contagem. Não acredito que sejam 600 mil pessoas, mas tenho certeza que não é o que o IBGE informou, é muito mais”, disse.

Os dados do IBGE trouxeram outra polêmica para quem quer conhecer o bairro mais a fundo. O instituto informou que não existe a Cajazeiras III. “Não existem placas informando, mas todos sabem onde fica e é uma das mais movimentadas”, replicou Muniz.

O desconhecimento continua. Quantas lojas tem o comércio do bairro? “Não sabemos. A Secretaria da Fazenda também não sabe informar. Já tentamos encontrar um patrocinador para fazer um censo do comércio, mas não conseguimos. Numa contagem superficial que fizemos, chegamos a três mil lojas. As lojas associadas à nossa organização não chegam a 10% do total”, disse Túlio.

O subprefeito, Allan Muniz, chama a atenção para uma informação sobre o bairro que também passa despercebida de muita gente. “Existem grandes áreas remanescentes de Mata Atlântica, áreas grandes que só fui conhecer através de ativistas que vivem no bairro”, conta.

Outra informação que até mesmo moradores desconhecem é que, por estarem contidos em Cajazeiras, nem Fazenda Grande, nem Águas Claras, nem Boca da Mata são considerados bairros. São, na verdade, regiões de Cajazeiras. Quem sabia disso?

Rótula da Feirinha, o centro nervoso da região

Trânsito engarrafado, lojas oferecendo todo tipo de mercadoria, camelôs vendendo seus produtos sob um grande outdoor de um curso de inglês cujo garoto-propaganda é um famoso ator de Hollywood e compradores andando para lá e para cá.

Não se trata do centro de grande metrópole, mas da Rótula da Feirinha, a área mais efervescente de Cajazeira X, a mais movimentada das Cajazeiras, bairro do qual faz parte ainda Fazenda Grande, Águas Claras e Boca da Mata. Nesse ponto, que é também uma área de transbordo de ônibus, pode-se ter um resumo do que é esse bairro de Salvador pouco conhecido dos soteropolitanos, e, por que não dizer, dos poderes públicos e até mesmo de seus moradores.

Como em todas as Cajazeiras, é em torno de uma rótula que tudo acontece. É onde se desenvolve o comércio que satisfaz cada vez mais os moradores do bairro. No caso da Rótula da Feirinha – tem esse nome por ser o local da maior feira do bairro – com agências do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do Bradesco e com lojas de diferentes portes, inclusive unidades das grandes redes.

Insinuante, Magazine Luiza, Atakadão, Casas Bahia, entre outras, partilham ávidos compradores com os pequenos empreendimentos comerciais que se espalham pelas ruas principais do bairro. “Usamos o comércio local, sim. Pra que sair se aqui encontramos de tudo?”, questiona Marcia Gondin, uma economista que viveu 38 anos no bairro, onde ainda trabalha como superintende administrativa da faculdade onde se formou: a antiga Faculdade Cajazeiras.

Sim, Cajazeiras tem faculdade, assim como tem também cursos de inglês. Foi inaugurada, em 2004, com o nome do bairro e, depois que foi incorporada a outra rede de educação superior, passou a se chamar Faculdade Vasco da Gama. Está localizada na Estrada da Paciência, em Cajazeiras VII. Oferece cursos de administração, ciência contábil, serviço social e pedagogia social. Apesar do curso em que Márcia Gondin se formou ter sido extinto por não conseguir formar turmas, a faculdade é bastante procurada não só por moradores do bairro.

“A grande maioria vive em Cajazeiras, mas temos alunos de Mussurunga e diversas áreas da Suburbana. A tendência é crescermos, pois as pessoas da região estão dando muita importância aos estudos”, disse a economista.

A busca por educação fundamental é grande também, e no bairro, segundo o subprefeito, Allan Muniz, existe uma boa oferta de vagas. “Só da rede municipal, são 42 escolas. Precisam ser melhoradas em suas estruturas físicas, principalmente em relação às áreas de recreação e desportos, que é uma carência”, informa Muniz.

Onde tudo acontece, faltam áreas de esportes

A falta de espaço para atividades esportivas no bairro faz da Rótula da Feirinha também uma opção para alguns desportistas. O jovem, que se identifica como Berg, utiliza o áspero concreto da rótula para praticar suas manobras. “Não há aonde andar de skate aqui em Cajazeiras. Eu venho porque estou desempregado e em contenção de despesas. Quando tenho dinheiro, vou para os Barris”, conta.

Ele afirma conhecer muita gente no bairro que adoraria praticar o esporte, mas a falta de estrutura os desanima. “Não existe muitos skatistas no bairro. Que eu saiba, só eu e meu amigo Maninho temos essa atitude, mas não é fácil, não”, ressalta.

A prática de esportes em Cajazeiras é monopolizada pelo futebol. Mas até no mais popular dos esportes a falta de estrutura oferece dificuldades aos praticantes. Em alguns setores do bairro há ligas que organizam campeonatos, mas em outras é somente o "baba".

“E mesmo assim temos que dar um jeito para a trave não cair”, conta André Guilherme Conceição, morador do final de linha de Cajazeira VIII, apontando para o estado de conservação do campo aonde joga.

Reunido com seus amigos adolescentes, no lava a jato improvisado onde um deles trabalha ,André conta que o futebol é umas das poucas opções de lazer. “Depois do baba, o jeito é tomar um banho, se arrumar ir para a Rótula da Feirinha”, disse, apontando para o ponto central do bairro, onde, segundo ele, é lugar bom até para paquerar.

E o maior movimento da rótula é mesmo ao fim da tarde. Há o que comer, o que beber, há inclusive o famoso acarajé de Irá, que está na rótula há 16 anos vendendo o que para muitos é o melhor acarajé de Cajazeiras. E seu tabuleiro traz novidades. O quitute é vendido em três tamanhos: pequeno, médio e grande, com preços que variam de R$ 2 a R$ 5. E o movimento na rótula aumenta com o fechamento do comércio e a busca por transporte para voltar para casa.

A dificuldade, nesse momento, para os moradores e aqueles que vêm de outras regiões para trabalhar em Cajazeiras se repete em todos os setores do bairro. Se os ônibus e vans parecem ser insuficientes, as vias de circulação – estreitas e lotadas de carros menores – tornam o transporte coletivo ainda mais caótico.

Para fugir dos longos engarrafamentos, o mototáxi é uma saída. Na Rótula da Feirinha são 130 mototaxistas à disposição, dos quais 80% trabalham até às 21h, quando o movimento começa a esfriar durante os dias da semana.

Nos fins de semana, os mototaxistas também trabalham muito, mas seus itinerários mudam, principalmente no domingo, quando o fluxo de moradores deixando o bairro é grande.

“Como não há muito o que fazer na região, o pessoal busca lazer em outros locais”, informa o moto-taxista Waldemir Apóstolo. Para ele, tentar se divertir em Cajazeiras no domingo é um risco. “A única pedida acaba sendo os bares e todos os perigos que a bebida alcoólica oferece”, disse.

Apesar de ser um bairro periférico e de estar sujeito à violência, os moradores não veem Cajazeira como um lugar perigoso.

“É claro que há regiões que são mais perigosas, principalmente nas     áreas de favela, mas de um modo geral, não considero o bairro violento”, opina o mototaxista. Sua opinião é compartilhada pelo empresário Marcos Moura, morador há 23 anos. “Pelas condições sociais de alguns setores do bairro, se pode imaginar que se trata de uma região violenta, mas a violência aqui não é alarmante”, afirma.